Pesquisa mostra que ofender colegas nem sempre é inofensivo
Nada mais comum que zoar ou ser zoado na escola. Um pedido humilhante aqui, umas risadinhas maldosas ali, um empurrão, uma fofoca ou um “gelinho” da classe. Todo mundo já sofreu, testemunhou ou foi vítima de uma dessas “brincadeirinhas”.
A novidade é que esse comportamento, considerado “normal” por alunos e por muitos professores, está longe de ser algo inocente. Quem batiza um colega de “bola” ou de “quatro olhos”, para citar exemplos menos cruéis, não pensa em como tais apelidos podem magoá-lo, afetar sua auto-estima e seu rendimento escolar. Parece um exagero? Pois não é.
Isso é o que mostra uma pesquisa realizada pelo ibope a pedido da organização não-gorvenamental Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência).
Dos 5.482 alunos, da 5ª a 8ª série, de 11 escolas públicas e particularesdo Rio de Janeiro que foram ouvidos na pesquisa, mais de 40,5% admitem ter praticado ou ter sido vítimas de “bullying” – palavra em inglês que é usada com o sentido de zoar, gozar, tiranizar, ameaçar, intimidar, humilhar, isolar, perseguir, ignorar, ofender, sacanear, bater, ferir, discriminar e, ufa, colocar apelidos do mal.
“O ‘bullying’ se caracteriza por agressões físicas ou morais repetitivas, o que configura uma situação “de abuso de poder”, explica o médico Lauro Monteiro Filho, secretário-executivo da Abrapia.
Os dados da pesquisa mostram que dois em cada três alunos que sofreram esse tipo de agressão ficaram incomodados. As reações vão desde a raiva (22,2% dos casos) até a vontade de não ir mais pra a escola (2,8%).
Outra pesquisa, feita pela Universidade West England, no Reino unido, mostrou que um a cada cinco jovens de 15 anos cabula aulas porque sente-se inseguro quanto a sua aparência e não quer ser alvo da chacota dos colegas.
“O aluno que sofre ‘bullying’ passa a ter medo e a se isolar socialmente. Alguns começam a faltar às aulas, outros tentam mudar de escola. E há aqueles que, em casos extremos, tentam até mesmo o suicídio”, alerta Monteiro.
Para ele, o desafio é convencer as escolas, os alunos e as famílias de que todos perdem ao não agir contra essa situação: “Até o aluno que pratica o “bullying” acaba sofrendo consequências, pois pode se tornar uma pessoa agressiva e com dificuldade de respeitar os colegas de trabalho e os familiares”
EXTREMOS
A prática de “bullying” começou a ser pesquisada na Europa quando foi descoberto que ela estava por trás de muitas tentativas de suicídios de adolescentes. Sem a atenção da escola ou dos pais – que, às vezes, acham as ofensas bobas demais para terem maiores consequências – o jovem recorria a uma medida desesperada.
Hoje, no reino Unido, por exemplo, há até leis “anti-bullying”, que determinam que todas as escolas tenham políticas para evitar esse comportamento entre seus alunos.
Mas não é preciso cruzar o oceano para encontrar casos extremos. No Brasil, no início do ano, em Taiúva, iterior de São Paulo, o estudante Edmar Freitas, 18, se suicidou dentro da escola onde tinha estudado depois de disparar para todo o lado e ferir seis pessoas. Edmar era ridicularizado pelos colegas, que o chamavam de “gordinho”. Depois de emagrecer para se livrar do estigma, ganhou novo apelido: “vinagre”, já que os colegas insinuavam que havia tomado ácido para perder peso.
“Está na hora de aprendermos a diferença entre brincadeira e agressão. Brincadeira só acontece quando todos estão se divertindo. Quando uma parte se diverte e a outra se sente acuada ou humilhada, não é mais brincadeira, é violência”, argumenta a psicóloga Lídia Aratangy, que mudou de uma escola na metade do ano por causa de um episódio de “bullying”.
Seus colegas costumavam humilhá-la por ser judia e, numa certa aula, na hora da entrega da lição de casa, a professora reclamou que sua folha estava com “manchas de gordura”, perguntando se, “por acaso, judeu tinha mania de fazer lição na cozinha”. “Contei aos meus pais e, na semana seguinte, já estava em outra escola”, lembra.
NA SALA DE AULA
A pesquisa brasileira revelou que essas agressões ocorrem, em 59,8% dos casos, na sala de aula, ou seja, na frente do professor.
“Isso pode ser um indicador de que o professor acha essa situação normal ou de que não tem autoridade para diminui-la”, afirma o médico Aramis Lopes Neto, coordenador da pesquisa.
Para educadores de colégios de São Paulo consultados pelo Folha-teen a prática não é frequente dentro da sala de aula.
Todos eles afirmam tomar medidas contra a discriminação e o preconceito, principalmente por meio de dinâmicas de grupo, nas quais os alunos são incentivados a expressar seus sentimentos.
“O aluno costuma se revoltar contra os “skinheads” e contra queimar índio. Mas mostramos a eles como isso começa perto quando eles mesmos são preconceituosos com os colegas”, explica Caio Martins Costa, do Colégio Friburgo. Ele admite, no entanto, que o “bullying”, muitas vezes, passa despercebido pelos professores, que o vêem ou como um comportamento normal ou como um tema que não é de sua competência.
Para dom Geraldo Gonzáles y Lima, vice-reitor do colégio Santo Américo, a intolerância, está crescendo nas escolas. “Cuidamos da inclusão dos que estão fora da escola, mas precisamos nos preocupar também com a exclusão daqueles que já estão aqui dentro.”
A estudante Isabela, 13 – que já foi apelidada de “Isabola”, mas pediu para que os colegas parassem com aquilo -, confirma o descuido de alguns professores. “Tem um menino da classe, que tem muitas espinhas e é o maior nerd, e a gente meio que exclui ele. Quando pegam pesado com ele na aula, existe professor que até ri junto com a gente, mas já aconteceu de um outro expulsar um aluno da sala por causa da brincadeira.”