Escola não legisla sobre o individual
As escolas tomam determinadas atitudes em relação a seus alunos, e, muitas vezes, os pais não concordam com as medidas adotadas – em geral porque acham que o filho saiu prejudicado -, contestam e discutem com a direção e com os professores outras abordagens do problema.
Foi o que aconteceu com uma leitora. O assunto é ótimo porque permite que muitos pais reflitam sobre a maneira como se relacionam com as escolas de seus filhos, muitas vezes em prejuízo deles. Vamos lá. O garoto que frequenta a sétima série teve de faltar, por motivo justo, no dia em que teria de entregar um trabalho. A mãe mandou um bilhetinho – ah, esses malditos bilhetinhos que substituem o diálogo direto entre os professores e seus alunos! – em que avisava à professora do ocorrido e garantiu ao filho que ele não sairia prejudicado.
Pois bem: a mestra aceitou o motivo, mas, mesmo assim, deu um ponto negativo ao aluno. A mãe não concordou e conversou com a orientadora da turma, que ratificou a atitude da mestra. E está armado o impasse. De um lado a escola, do lado oposto a família. Não, esse tipo de relação não é uma parceria. A escola está absolutamente correta na atitude que tomou. Por quê? Porque não é papel da escola legislar sobre o individual. Ao contrário, cabe à escola a formação para a cidadania. Portanto ela deve trabalhar considerando o coletivo da classe, da turma, da série, da escola.
Quando ficam sensibilizados com a conseqüência ou a sanção com a qual o filho teve de arcar na escola, os pais pensam nos aspectos pessoais e individuais relacionados ao fato ocorrido, e isso é claro e compreensível. Justamente por esse motivo é que a escola tem papel fundamental na formação dos alunos: ela ensina as regras de convivência social e os valores éticos sociais na prática, na vivência dos alunos.
Foi esse o ensinamento que a escola passou ao filho de nossa leitora quando manteve o combinado com os alunos. Caso tivesse cedido, teria sido injusta com a classe toda. E não precisamos mais desse tipo de ensinamento que contempla o individual em prejuízo do coletivo, não é verdade?
Além disso, com essa atitude, a escola teve papel educativo importante: acompanhar o crescimento do aluno na experiência de viver por conta própria e saber reconhecer direitos, deveres, conseqüências dos atos e, principalmente, aprender que crescer significa fazer escolhas e arcar com elas.
A escola só não tem razão em uma questão, apontada pela leitora: ela diz que os professores costumam apontar os bons alunos como exemplo e humilhar os que não fazem as tarefas em dia etc. A escola não deve moralizar as atitudes de seus alunos. Os pais, sim, podem fazer isso. Mas a escola não. Nenhum aluno pode ser conceituado bom ou não pelas escolhas que faz ou tem de fazer. A escola deve apenas fazer os combinados, mantê-los e garantir sua aplicação. Sem julgamentos.
Um último comentário, motivado pelo comportamento de nossa leitora, tão comum entre os pais, que é ir freqüentemente à escola para intervir pelo filho. Talvez os pais possam contribuir um pouco mais com o crescimento dos filhos considerando a relação deles com a escola. Em vez de ir até a escola sempre que o filho reclamar de algo ou precisar de uma atenção especial, mesmo que tenha razão, é bem melhor encorajá-lo e orientá-lo sobre o que fazer ou falar do que fazer por ele. Agindo assim, apesar de bem-intencionados, os pais acabam contribuindo para a dependência dos filhos. E sempre é bom lembrar que a educação visa à autonomia, à independência, à liberdade possível de ser vivida em sociedade.
Fica para uma próxima conversa uma questão também importante a refletir: a atitude de pais que acreditam ter poder de consumidor na relação com a escola, e o tratamento de ‘cliente’ que muitas escolas dão aos pais. Só para aquecer a discussão que está por vir: educação não é consumo. Portanto não há cliente nessa relação.