Acreditar que o filho nunca mente é ficção
Recebi um bilhete com comentários bem engraçados de uma professora encantada com seu trabalho e com mais de 15 anos de exercício da profissão no ensino fundamental em escolas particulares. Ela conta que tem refletido muito sobre o relacionamento que a escola estabelece com os pais dos alunos, inspirada pelos comentários feitos nesta coluna. A professora diz que, depois de muito relutar e resistir, acabou concordando que os pais são chamados pela escola para solucionar situações problemáticas criadas pelos alunos que demandam atitudes que são da alçada dos professores. Mas o que ela observou nos contatos que teve com os pais é de uma riqueza incrível, e vou aproveitar uma das frases que ela diz ouvir das mães quando se referem aos filhos: “Não, meu filho não mente. Nós temos uma relação muita aberta e sincera”. E a professora arremata, irônica: “Sei”.
Sim, essa professora sabe que essa tal relação aberta entre pais e filhos é uma ficção. Os filhos não conseguem dizer toda a verdade aos pais, contar tudo, mostrar-se como são longe das vistas deles. Faz parte do processo de aquisição da sua independência o filho testar um outro jeito de ser quando não está com os pais. Por isso pequenas mentiras, omissões e dissimulações fazem parte do jogo. Normal. O duro é saber que há pais que acreditam piamente em tudo o que o filho diz. Mais: que, se o filho não se abre em relação a determinado assunto, é porque não existe nada a ser dito porque não acontece nada. Senhores pais, é bom aceitar o fato de que o filho jamais será um livro aberto para vocês, por mais que vocês queiram. Afinal, a criança e o adolescente têm o direito de fazer as coisas do próprio jeito, de experimentar viver por conta própria.
Mas será que ter essa crença muda algo no comportamento dos pais na educação que praticam com seus filhos? Pode parecer que não, mas muda muita coisa.
Em primeiro lugar, os pais que acham que podem confiar em tudo o que o filho diz ou deixa de dizer se acomodam com o que sabem – e com o que não sabem – e deixam de praticar a tutela necessária até que o filho atinja a maturidade e a autonomia para se proteger de si mesmo, do grupo e do ambiente.
Um exemplo? Os pais de uma garota de 13 anos levaram o maior susto quando foram surpreendidos por um telefonema da mãe de uma amiguinha pedindo que fossem buscar a filha porque ela estava totalmente alcoolizada. A surpresa dos pais veio do fato de a menina estar acostumada a festas na casa de vários amigos da escola. Na primeira vez, os pais perguntaram se iria haver bebida alcoólica, e a garota respondeu – é lógico – que não. Os pais, então, se aquietaram, mas não se esqueceram de avisar a filha de que ela não tinha ainda idade para freqüentar baladas regadas a álcool. Esses pais, muito ingênuos, acharam que podiam aceitar como fato verdadeiro a informação que a filha tinha dado. E deu no que deu.
Claro que os filhos, a partir dos sete anos, principalmente, inventaram pequenas mentiras com um objetivo simples: garantir o que querem. Em geral, essas mentiras não prejudicam ninguém, a não ser eles mesmos, que ainda não sabem avaliar o tamanho dos riscos que, muitas vezes, correm. Cabe aos pais checar determinadas situações para evitar surpresas desagradáveis e assumir o que os filhos ainda não têm condições de assumir.
Em segundo lugar, os pais que se relacionam com os filhos com base nessa tal relação aberta e sem segredos submetem os jovens a conversas constrangedoras e invasoras. Como os pais que, preocupados com a segurança e com a saúde do filho, perguntam se ele pratica o sexo e se usa preservativo. Os filhos precisam aprender o limite da intimidade! Só assim saberão proteger-se do olhar sempre atento dos outros e se preservar quando necessário.
Não dá para educar os filhos sem considerar que, a qualquer momento e de acordo com os interesses do momento, eles podem mentir, inventar, omitir, ter segredos. Mas é bom não exagerar na vigilância: eles só alcançam a almejada maturidade arcando com o que fazem e dizem.
Rosely Sayão é psicóloga, consultora em educação
e autora de “Sexo é Sexo” (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br